Autor: Dr. Alessandro
Loiola
Um saudoso professor
costumava nos dizer, enquanto fazia sua corrida matinal de leitos:
― Vocês um dia estarão lá fora, clinicando e
tratando seus pacientes, e devem saber o quanto antes que a medicina não é, nem
nunca pretendeu ser, uma ciência exata, isenta de falhas. Assim que receberem
seus carimbos, vocês verão que nossa vida profissional é uma eterna alternância
entre 3 grandes categorias de médicos.
Ele fazia uma pausa, segurando um prontuário
qualquer, como o bom ator que espera sua deixa, e então alguém perguntava:
― Quais categorias, professor?
Levantando as sobrancelhas e olhando por cima
dos óculos, sem largar o prontuário, ele concluía solenemente:
― Os que erram muito, os que erram pouco e os
que só erram.
Essa história me veio à cabeça quando, durante
um intervalo no hospital, uma auxiliar de enfermagem veio me perguntar assim,
na surdina, como quem conta um segredo terrível ou uma infidelidade digna da
Santa Inquisição:
― Doutor, o que o senhor acha da
auto-hemoterapia?
E eu que achei que este assunto estava morto e
enterrado. Mas não está. Graças a um posicionamento absolutamente precipitado
das sociedades de especialistas, a auto-hemoterapia foi banida da prática
médica.
Sob o pretexto de que “não existem evidências
científicas favoráveis comprovando sua eficácia”, a auto-hemoterapia foi
execrada ao limbo da charlatanice. De quebra, ao fazer propaganda da técnica, o
médico carioca Dr. Luiz Moura terminou tendo seu registro cassado no Rio de
Janeiro em 12 de dezembro de 2007. Mas isso não fez a auto-hemoterapia
desaparecer – ela ainda acontece, na penumbra.
Não sou defensor da auto-hemoterapia. Concordo
com seus acusadores: realmente faltam evidências sólidas. Mas, pensando cá com
meus botões, então não seria o caso de ir atrás destas evidências, sejam elas
boas ou desfavoráveis? Bastaria seguir os mesmos protocolos de pesquisas
clínicas utilizados há décadas para avaliar novos antiinflamatórios, novos
antibióticos, novas próteses, novas tecnologias - vide desde a cirurgia
videolaparoscópica até os recentes avanços nas pesquisas com células-tronco.
Mas não, não houve racionalidade ao lidar com
a auto-hemoterapia. Houve, sim, uma deterioração da ciência em prol de uma
agenda obscura de intolerância com o novo. Curiosamente, uma agenda brandida
com ares de indignação pelos mesmos bispos que deveriam defender o pensamento
científico livre, leve e solto.
Como seremos capazes de enxergar o novo se
continuamos saindo de casa doutrinados para ver somente as mesmas coisas de
sempre?
Se você já estudou termodinâmica, certamente
conhece a escala de Kelvin de temperaturas absolutas, batizada em nome do gênio
William Thomson, brilhante matemático e físico irlandês também conhecido como
Lorde Kelvin. Dentre as inegáveis contribuições deste homem à ciência, constam
algumas bem embaraçosas.
Apesar de ser um profundo conhecedor da
engenharia e da eletricidade, em 1895 Lord Kelvin profetizou: “máquinas
voadoras mais pesadas que o ar não são possíveis”. Em 1897, outra pérola: “o
rádio não tem futuro e os raios-X são um embuste!”. E, na aurora do Século XX,
encenou sua derradeira e mais célebre escorregadela ao dizer que “a física já
descobriu praticamente tudo que havia para descobrir no Universo”. Um certo
Albert Einstein mostraria alguns anos depois que o buraco era um pouco mais
embaixo.
A ciência biomédica está repleta de equívocos
semelhantes, opiniões jogadas ao ar antes de serem submetidas ao escrutínio do
método científico. Frases de efeito que mais parecem frases de defeito.
"A teoria dos germes de Louis Pasteur é
uma ficção ridícula", escreveu Pierre Pachet, Professor de Fisiologia em
Toulouse, 1872.
”O abdome, o tórax e o
cérebro permanecerão para sempre além do alcance de qualquer cirurgião humano”,
disse, em 1873, Sir John Eric Ericksen, cirurgião da coroa britânica. "Não
teremos artrite no ano 2000”, vaticinou o famoso reumatologista Dr. William S.
Clark, em 1966.
Ah, nada como o tempo para mostrar que o
futuro não é mais aquilo que costumava ser...
Enquanto a orgulhosa ciência médica torna-se
ela própria uma forma religião, escravizada no apego irrestrito às normas e
preceitos em detrimento da lógica, me pergunto: estamos construindo faculdades
de medicina ou igrejas, templos e seitas que pregam não o amor à ciência e à
curiosidade altruísta, mas uma louvação cega a dogmas empoeirados?
Nesta fogueira tão antiga, onde o preconceito
ainda reina como cultura, a auto-hemoterapia e o ex-Dr. Luiz Moura foram apenas
os gravetos mais recentes. Outros virão. É preciso alimentar a chama. Valha-me
Santo Prometeu, filho de Jápeto! Amém.
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