Um
dia destes, um amigo me dizia que seu neto de 9 anos, reclamara que a mesada
que recebia do seu pai era muito pequena. Não dava pra nada. Pedia ao ele, seu
avô, que intercedesse junto ao “velho” para que a aumentasse. Afinal estava
indo muito bem na escola, era um menino bem comportado e merecia muito bem um
mensalão.
Mensalão.
Esta palavra entrou recentemente e definitivamente em nossas vidas e seu
significado ainda não consta nos dicionários formais e oficiais. No informal é
associado à pagamento de propinas contra atos de corrupção de forma constante e
periódica.
Disse
o amigo, que perguntou ao neto se ele sabia o significado daquela palavra.
─
Claro, (disse), deve ser uma mesada grandona. Antes eu achava que era mesadão,
mas depois que vi na TV..., mesadão é muito estranho, mensalão é melhor.
Para
não ter que explicar ao garoto o seu significado, tentou fazê-lo aceitar a
expressão mesada grande, mas o neto explicou que usar duas palavras nestas
horas ia contra o espírito e a objetividade dos negócios. Era muito mais fácil cobrar
do pai todo mês, um mensalão que uma mesada grande. Vamos que o pai estivesse
com uma baita pressa e resolvesse ouvir só a primeira palavra, antes de abrir a
carteira e sair correndo para o trabalho. Mensalão não deixaria duvidas quanto ao
montante a ser repassado.
Havia
certa lógica naqueles argumentos, e meu amigo achou por bem perder algum tempo
explicando para o neto o significado real daquela palavra, que surgira assim do
nada, e ganhava manchetes todos os dias.
─
Mensalão (começou) é uma coisa ruim. Não tem nada a ver com mesada, etc., etc.
e tal.
Depois
de ouvir atentamente a explicação do avo, o menino perguntou:
─
Quer dizer que mensalão só pode ser cobrado se a pessoa estiver fazendo algo
errado?
Ante
a afirmativa àquela pergunta simplista, (para encerrar o tema), o neto retrucou
em voz baixa:
─
Então já sei como cobrar do meu pai um mensalão. Sabe a Jacira, a empregada lá
de casa? Tem dias que, quando a mamãe vai para ao salão ou ao supermercado, meu
pai entra no quarto dela e fica lá quase uma hora. Quando ele percebe que eu
vi, diz que estava consertando da TV dela, e pede para eu não dizer nada para
minha mãe.
Vou
dizer para meu pai que se ele não me der um mensalão, vou contar para minha mãe
que ele fica consertando a TV no quarto da Jacira quando ela não está.
Meu
amigo perdeu a paciência e ralhou com o neto, dizendo que aquilo que ele queria
fazer era chantagem, e encerrou o papo pensando que teria que ter uma conversa
séria com seu filho.
A
verdade é que o garoto lhe dera um tremendo nó cego na cabeça, e sem saber se
aquela situação toda seria hilária ou trágica, o meu amigo passou a uma longa
reflexão sobre atos de corrupção pública e privada, e os efeitos de sua exposição
constante nos meios de comunicação para esta geração tão ligada e esperta.
Os
meninos e meninas já crescem vendo traições e trairagens nas novelas em horário
nobre, convivem com noticias de atos de corrupção como algo banal e rotineiro, assistem
à violência crescente e gratuita como fatos normais do dia a dia.
Será
que dá para falar em educação familiar e escolar, contra esta avassaladora onda
de deseducação que abestalha e corrompe nossos filhos e netos?
Perguntei-me
mentalmente se aquelas expressões de amargura e decepção do meu amigo tinham como
pivô seu filho ou seu neto. Ou ambos?
Na
verdade ele estava transportando uma questão particular para o mundo das
generalidades. E com certeza não era dilema só dele, mas de toda uma geração
vitimada pelo tsunami de conceitos e informações, que através das novas
tecnologias da comunicação, rasgaram antigos e sólidos terrenos de crenças e
valores.
Para
a geração que cresceu jogando bola de pano, bolinha de gude, finca e outras
brincadeiras parecidas, que viveu a época em que o professor, o prefeito, o
policial, o padre e o juiz eram figuras acima de qualquer suspeita, estes novos
tempos que escancaram toda a sordidez da natureza humana, inclusive para as
crianças, são de difícil compreensão e assimilação.
Não
que esta sordidez não existisse antes, mas as crianças estavam protegidas em
sua aura de inocência e candura, em um mundo só seu. Acreditar até em Papai Noel era possível
então. Quando nossas crianças estão perdendo sua inocência? Quando flagram os pais nos anti-exemplos? Quando
são exploradas de todas as formas por interesses mesquinhos, escusos e
pervertidos? Quando tem a sua frente, em janela particular e solitária, a um simples
clique, todas as imagens e sons de uma cultura doentia e depravada?
Vivemos
enfim uma época em que um avô não consegue mais explicar ao neto o que é uma
simples palavra, (muito menos mensalão), que um filho acha um jeito de cobrar
propina ou mensalão do pai que entra sorrateiro no quarto da empregada, ou que
um pai não consegue fazer um filho menor de idade crer que estava candidamente
consertando a TV da Jacira.
A
TV da sala já mostrara o lado oculto e sórdido destas histórias, enquanto o
garoto tomava seu chocolate com biscoito, ao pé do sofá, onde seus pais,
permaneciam atentos e alienados, ligados no jornal das oito e trinta, ou na
novela das nove.
João Drummond
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