Lei
se cumpre não se discute. Este é um axioma jurídico que pode sim ser discutido,
quando uma sentença judicial de interesse comercial ou financeiro colide com os
interesses básicos de um cidadão, como direito ao trabalho, a saúde e a vida.
O
direito não é uma matéria concreta. Tudo depende de interpretações de artigos e
incisos que estão postulados friamente na Carta Magna e nos compêndios de
códigos jurídicos, sempre abertos e em constante evolução e mutação.
Alguns
direitos são mais básicos que outros, e alguns preceitos jurídicos são
sobrepujados por outros, quando um julgador, se valendo do bom senso e da
inteligência dos artigos profere sentença em total oposição à interpretação
literal e autocrática da lei.
A
lei proferida gera por si uma nova interpretação que remete a discussão para
uma esfera superior até que, algum tribunal supremo, ou por decisão direta ou
por sumula vinculante estabelece finalmente o top da verdade jurídica.
E
nem esta verdade pode ser considerada absoluta e definitiva, quando novos
elementos e novas interpretações podem levar este mesmo tribunal à reforma da
sentença anterior.
Vamos
supor, por mero exemplo, que uma pessoa movida pela fome subtrai de uma
quitanda uma abóbora. Tecnicamente ela cometeu roubo, e algum juiz
excessivamente conservador pode lhe sentenciar a prisão.
O
mesmo Estado que preceitua o direto básico a vida, ao trabalho, a saúde, a
educação, pode emitir sentença que atenta contra todos os princípios de bom
senso e humanidade.
Ao
delegado do caso não restará alternativa, a não ser fazer valer o cumprimento
da lei, até que outra sentença, mais na frente, reforme a primeira.
Outro
exemplo é o do taxista, ou outro profissional que dependa de veiculo para
trabalho e sustento da família. A lei diz que quem não pagou deve ser punido.
Mas diz também que existem bens que não podem ser penhorados por servirem ao
cumprimento de direitos mais básicos do cidadão, do que contratos comutativos
com bancos e financeiras.
O
banco tem direito de fazer valer seus direitos, mas o cidadão tem mais direito
de manter seu trabalho, sua dignidade e sua integridade.
Para
uma justiça assoberbada, muitas vezes estes direitos se colidem, e a lei que prevalece
é a de quem pode pagar mais e falar mais alto.
Porque
os direitos, mesmo os básicos, não são pontos pacíficos perante a lei. O
comerciante pode, diante da justiça, fazer valer seus direitos ao lucro, contra
um ladrão de abóboras que não tem conhecimento e nem voz para se defender e
muito menos lembrar ao juiz sobre a tese do roubo famélico. Só um advogado ou
defensor público poderia fazê-lo com a devida competência.
O
advogado está fora do seu alcance, (financeiro) e o defensor público estará
muitas vezes atuando sem total convicção e interesse, de olho em resultados de
concursos.
E
o profissional autônomo que tem num veiculo a garantia de seu trabalho pode
ceder este direito básico em favor dos lucros bancários ou comerciais por
sentença de juiz que aplica friamente os ditames da lei. (Existem outras formas
de penhora de veículos de trabalho e isto é tema para outro artigo).
Cada
vez mais a justiça paga e mantida pelo fluxo arrecadatório do Estado contra as
camadas produtivas, ou pelo poder financial de cunho privado, se afasta dos
seus preceitos mais singelos e básicos de caráter protetivo e defensivo do
cidadão.
A justiça paga, representada por delegações
cartoriais se adianta com mais rapidez e avidez, e tem no poder financeiro
maior capacidade de torque da engrenagem judicial.
Vivemos
diante de algumas verdades cruéis no sistema capitalista. Os interesses
regrados a dinheiro podem fazer valer seus direitos legais de forma muito mais
enfática e rápida do que os daqueles que, pelo menos em tese, deveriam contar
com maior proteção estatal e legal.
O
ponto de reequilibro entre uma justiça autofágica e catatônica e uma sociedade
marginalizada e sem voz, é a imprensa livre. Ela é capaz de destacar os
descalabros e absurdos gerados na estufa judicial e expor para a opinião
publica, (entidade subjetiva e impessoal da trama social), uma verdade mais
pura e singela que se encontra tolhida e engasgada, sob peso de verdades
induzidas a peso de ouro ou de soldo.
Quando
os direitos se colidem e não encontram resguardo equilibrado no sistema legal
resta ao cidadão escancarar sua verdade nos parlatórios modernos, e fazer valer
sua voz e seus direitos acima do ruído ensurdecedor que submete a justiça aos
mandos e desmandos de quem pode pagar mais.
João
Drummond
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