sexta-feira, 2 de novembro de 2012

De Mesada a Mensalão, (Ou da Inocência à Corrupção)


Um dia destes, um amigo me dizia que seu neto de 9 anos, reclamara que a mesada que recebia do seu pai era muito pequena. Não dava pra nada. Pedia ao ele, seu avô, que intercedesse junto ao “velho” para que a aumentasse. Afinal estava indo muito bem na escola, era um menino bem comportado e merecia muito bem um mensalão.
Mensalão. Esta palavra entrou recentemente e definitivamente em nossas vidas e seu significado ainda não consta nos dicionários formais e oficiais. No informal é associado à pagamento de propinas contra atos de corrupção de forma constante e periódica.
Disse o amigo, que perguntou ao neto se ele sabia o significado daquela palavra.
─ Claro, (disse), deve ser uma mesada grandona. Antes eu achava que era mesadão, mas depois que vi na TV..., mesadão é muito estranho, mensalão é melhor.
Para não ter que explicar ao garoto o seu significado, tentou fazê-lo aceitar a expressão mesada grande, mas o neto explicou que usar duas palavras nestas horas ia contra o espírito e a objetividade dos negócios. Era muito mais fácil cobrar do pai todo mês, um mensalão que uma mesada grande. Vamos que o pai estivesse com uma baita pressa e resolvesse ouvir só a primeira palavra, antes de abrir a carteira e sair correndo para o trabalho. Mensalão não deixaria duvidas quanto ao montante a ser repassado.
Havia certa lógica naqueles argumentos, e meu amigo achou por bem perder algum tempo explicando para o neto o significado real daquela palavra, que surgira assim do nada, e ganhava manchetes todos os dias.
─ Mensalão (começou) é uma coisa ruim. Não tem nada a ver com mesada, etc., etc. e tal.
Depois de ouvir atentamente a explicação do avo, o menino perguntou:
─ Quer dizer que mensalão só pode ser cobrado se a pessoa estiver fazendo algo errado?
Ante a afirmativa àquela pergunta simplista, (para encerrar o tema), o neto retrucou em voz baixa:
─ Então já sei como cobrar do meu pai um mensalão. Sabe a Jacira, a empregada lá de casa? Tem dias que, quando a mamãe vai para ao salão ou ao supermercado, meu pai entra no quarto dela e fica lá quase uma hora. Quando ele percebe que eu vi, diz que estava consertando da TV dela, e pede para eu não dizer nada para minha mãe.
Vou dizer para meu pai que se ele não me der um mensalão, vou contar para minha mãe que ele fica consertando a TV no quarto da Jacira quando ela não está.
Meu amigo perdeu a paciência e ralhou com o neto, dizendo que aquilo que ele queria fazer era chantagem, e encerrou o papo pensando que teria que ter uma conversa séria com seu filho.
A verdade é que o garoto lhe dera um tremendo nó cego na cabeça, e sem saber se aquela situação toda seria hilária ou trágica, o meu amigo passou a uma longa reflexão sobre atos de corrupção pública e privada, e os efeitos de sua exposição constante nos meios de comunicação para esta geração tão ligada e esperta.
Os meninos e meninas já crescem vendo traições e trairagens nas novelas em horário nobre, convivem com noticias de atos de corrupção como algo banal e rotineiro, assistem à violência crescente e gratuita como fatos normais do dia a dia.
Será que dá para falar em educação familiar e escolar, contra esta avassaladora onda de deseducação que abestalha e corrompe nossos filhos e netos?
Perguntei-me mentalmente se aquelas expressões de amargura e decepção do meu amigo tinham como pivô seu filho ou seu neto. Ou ambos?
Na verdade ele estava transportando uma questão particular para o mundo das generalidades. E com certeza não era dilema só dele, mas de toda uma geração vitimada pelo tsunami de conceitos e informações, que através das novas tecnologias da comunicação, rasgaram antigos e sólidos terrenos de crenças e valores.
Para a geração que cresceu jogando bola de pano, bolinha de gude, finca e outras brincadeiras parecidas, que viveu a época em que o professor, o prefeito, o policial, o padre e o juiz eram figuras acima de qualquer suspeita, estes novos tempos que escancaram toda a sordidez da natureza humana, inclusive para as crianças, são de difícil compreensão e assimilação.
Não que esta sordidez não existisse antes, mas as crianças estavam protegidas em sua aura de inocência e candura, em um mundo só seu. Acreditar até em Papai Noel era possível então. Quando nossas crianças estão perdendo sua inocência?  Quando flagram os pais nos anti-exemplos? Quando são exploradas de todas as formas por interesses mesquinhos, escusos e pervertidos? Quando tem a sua frente, em janela particular e solitária, a um simples clique, todas as imagens e sons de uma cultura doentia e depravada?
Vivemos enfim uma época em que um avô não consegue mais explicar ao neto o que é uma simples palavra, (muito menos mensalão), que um filho acha um jeito de cobrar propina ou mensalão do pai que entra sorrateiro no quarto da empregada, ou que um pai não consegue fazer um filho menor de idade crer que estava candidamente consertando a TV da Jacira.
A TV da sala já mostrara o lado oculto e sórdido destas histórias, enquanto o garoto tomava seu chocolate com biscoito, ao pé do sofá, onde seus pais, permaneciam atentos e alienados, ligados no jornal das oito e trinta, ou na novela das nove.


                                      

                                                  João Drummond




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